sábado, 29 de dezembro de 2012

CHI, KIAI, KIHAP e... gritos.




Diante da dúvida de um aluno do estilo shaolin do norte a respeito do porquê que nele não há a utilização de gritos, frente a expressiva presença nos estilos do sul, resolvi arriscar responder fazendo uma breve pesquisa:





Figura: Ideograma de "Chi" ou "Qi".




Logo de início pensei a respeito do kiai, termo este que todos devem conhecer devido às artes marciais japonesas como judô, kendo e principalmente karatê. Entretanto começo perguntando o que é ki?



Do chinês temos chi =氣, que comumente conhecemos como energia, qual é composto por dois ideogramas: vapor = 气 e arroz =米. Conseguem perceber que o arroz está abaixo do vapor? Pois então, a etimologia revela que é o “vapor que sobe ao cozinharmos o arroz”. Assim sendo, podemos atribuir dentre muitos significados filosóficos que a energia física, material, o arroz (base da alimentação chinesa = vitalidade ou força), sobe, ascende em algo imaterial, transparente, espiritual, o vapor.



Mas voltando ao Kiai e gritos...



Etimologicamente, Kiai (気合)é uma palavra japonesa representada por dois caracteres: “Ki” (気), que significa “energia” e “Ai” (合, 合い) que significa “harmonia”, encontrei também que este último é uma inflexão do verbo awasu (合わす), “unificar” (fonte: Fonte: http://shintoryuiaido.wordpress.com/). Portanto, ao associar ambas, pode-se dizer que “Kiai” é: “energia em harmonia” ou “energia unificada”.

No blog, Espírito Marcial, voltado à arte do kendo, seu autor afirma: “É isso que os Sensei querem dizer com o “kiai tem que vir da barriga, de dentro”. Na verdade, a contração do diafragma, na altura do tanden (região abdominal 3 ou 4 dedos abaixo do umbigo), acompanhada da expiração e emissão do som é o princípio básico da técnica. A devida preparação mental também é importante, pois gritar por gritar qualquer um faz, mas demonstrar força, presença e sentimento combativo frente a um adversário é o fator decisivo para um bom kiai.”

Já nas artes marciais coreanas como, por exemplo, no hapkido e taekwondo, chamam de kihap. O termo kihap significa “harmonização das energias internas” (Ki- energia vital ou interna; Hap- harmonização) (CARDIA, 2007). Esse grito deve surgir do abdômen, iniciando com uma inspiração profunda e a sua liberação é sempre repentina, coincidindo com o golpe que será aplicado (LASSERRE, 1971).

Não é diferente no kung fu, no caso, shaolin do sul, no site da escola Nam Pai Kung Fu (http://www.nampai.com.br/?page_id=302&&lnk=1), encontra-se que a emissão sonora não parte da garganta mas sim do Dan tian ou Tan tien (ambos em chinês) de forma a aumentar a força dos golpes executados.

Em termos gerais, seja qual for a arte, todas apresentam ter um mesmo propósito para a utilização do kiai, kihap ou chi partindo da inspiração abdominal e então com a energia de origem na região a 3 ou 4 dedos abaixo do umbigo, exterioriza-la a potencializar a força de um chute ou soco.


Por curiosidade, há na rede duas monografias ou trabalhos de conclusão de curso (vide referências) que desenvolveram pesquisas quanto a eficiência da utilização desta “técnica” e em ambas o resultado final é positivo. Na primeira, judô, conclui-se que na dinamometria (mensuramento de força) isométrica encontraram-se diferenças entre as contrações voluntárias isométricas máximas com e sem o grito do kiai, obtendo uma resposta maior no primeiro. Já a segunda, relacionada ao  taekwondo, afirma que o pico de aceleração de um chute é maior quando utilizado o kihap, potencializando assim o impacto do golpe.


Agora, aonde quero chegar com isso? Por que nos estilos do norte não são encontrados os tais gritos? Ainda faço outra questão: será que não há essa explosão de energia nas outras artes marciais? Por que, por exemplo, no Ta Chi Chuan ou no Ai KI (opa!) do não há?

É dito que os estilos externos, (se posso citar como exemplos: Karatê, Kung fu de Shaolin, Taekwondo, Muay Thai) também conhecidos como duros, trabalham a energia de forma exterior. Segundo Reid e Croucher (2003), os mestres dessa classe, ao seguir o movimento, desferem o golpe de maneira linear e ao utilizar toda a massa corporal podem aumentar a força do mesmo. Os adeptos das escolas internas (exemplos: Tai Chi Chuan, Aikido, Hsing-I, Pa-Kuá), já acreditam que a melhor maneira de se defenderem é utilizar o corpo em movimentos circulares, a partir da energia interna.

Em nem todos os externos há a presença de gritos, apesar que quem já presenciou algum campeonato de karatê ou taekwondo observa isso claramente.


Então penso, interno, externo, interno, externo... todos tem energia de mesma origem! Todos tem Chi, Ki, todos tem “grito”. Somente a forma de expressá-lo que é diferente. O que é, senão, o simples expirar de forma mais agressiva quando soltamos um chute? Ou mesmo ao levantar um peso do chão e é dado aquele tímido som de esforço? Um animal ao defender sua prole ou a caçar? Isso não seria kiai, kihap ou o chi sendo utilizado? Inconscientemente todos devem saber usá-los, o ponto central é a intensidade, de certo não é porque um grita e o outro não que isso será o fator essencial. No fim, tudo é um e a diferença não está na arte em si, mas no desenvolvimento e descoberta do próprio praticante.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



CARDIA, R.N. Taekwondo Arte Marcial e Cultura Coreana. ed.:R. N. Cardia, Rio de Janeiro. 2007



ESPÍRITO MARCIAL: Tsurugi no Michi. Kiai: uma emissão de força. <http://espiritomarcial.wordpress.com/kiai-uma-emissao-de-forca/ > acesso em 30.12.2012



LASSERRE, R. O LIVRO DO KIAI E DOS KUATSU. ed.:Mestre Jou. 1971



NETO, A.A. A influência do grito do kiai na produção de força muscular e no sinal eletromiográfico em um atleta de judô. 2005. (Monografia). Curso de Educação Física, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba. Ver em: http://www.ombrosdegigantes.com.br/doc/15.pdf



MARTINS, R.D. A influência do kihap na força do chute toliõ-tchagui do taekwondo. 2011. (Monografia). Curso de Educação Física, Universidade Federal do Rigo Grande so Sul, Porto Alegre. Ver em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/39335/000825403.pdf?sequence=1



NAM PAI KUNG FU < http://www.nampai.com.br/> acesso em 30.12.2012



REID, Howard. Croucher, Michael. O Caminho do Guerreiro – O Paradoxo das Artes Marciais. Editora Cultrix. 287p.

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